CONCOURS GÉNÉRAL DES LYCÉES – SESSION DE 2011
(Classes terminales ES, L et S)
Durée: 5 heures
L’usage du dictionnaire est interdit.
Travail à faire par le candidat
Texte: ESTER
I. ÉTUDE DU TEXTE
1. Apresente as duas visões que Ester tem da cidade e explique como aconteceu tal evolução.
2. Estude a personalidade de Horácio através não só das suas atitudes ao longo do texto mas também das histórias e dos cochichos que lhe dizem respeito.
3. Comente o casamento e a primeira noite do casal na fazenda.
4. Analise a evolução dos sentimentos de Ester.
5. Explique e comente a última imagem evocada no texto: « uma rã na boca de uma cobra ».
I. ESSAI
Quando um dia, o pai lhe comunicou, muito alegre, que O Coronel Horácio pedia a sua mão, Ester « se contentou em chorar ».
Acha que os pais devem orientar a vida dos filhos? Em domínios tão diversos como as frequentações, os estudos, a escolha de um desporto, de uma profissão ou ainda do próprio casamento, qual deve ser, segundo a sua opinião o papel dos pais?
Apresente a sua opinião numa composição cuidada e ilustrada com exemplos.
III. TRADUCTION
Traduza para francîs de « O pai morava… » até « … uma quermesse com leilão de prendas. ».
TEXTE
ESTER
O pai morava num primeiro andar, por cima do armazém. Da sua janela Ester via a monótona paisagem da cidade. Um morro de cada lado. Não encontrava beleza no rio, nem no mar. Para ela, a beleza estava com a vida de Lúcia, os bailes em Paris. Nem mesmo no dia de chegada dos navios, quando toda a cidade se animava, quando havia jornais da capital, quando os botequins se enchiam de homens que discutiam política, nem nesses dias quase de festa Ester saía da sua tristeza. Os homens a admiravam e a cortejavam de longe. Nos tempos das férias um estudante de medicina escreveu-lhe uma carta e mandou-lhe versos. Mas para Ester o tempo era pouco para chorar, para lastimar a morte dos avós que a obrigavam a viver naquele desterro. As notícias de brigas e de mortes a assustavam, deixavam-na numa agonia. Aos poucos foi-se deixando vencer pela vida da cidade, se despreocupando da elegância que tanto sucesso (e certo escândalo) fizera quando da sua chegada, e quando um dia seu pai, muito alegre, lhe comunicou que o coronel Horácio, um dos homens mais ricos da zona, pedia a sua mão ela se contentou em chorar.
Agora era uma festa quando ia a Ilhéus. O sonho das grandes cidades, da Europa, dos bailes imperiais e dos vestidos parisienses, ficara para trás. Parecia tudo muito longe, perdido no tempo, naquele tempo em que era possível sonhar. Poucos anos se haviam passado. Mas era como se toda uma vida tivesse sido vivida numa rapidez de alucinação. Seu melhor sonho desses dias é uma viagem a Ilhéus, assistir às festas da igreja, uma procissão, uma quermesse com leilão de prendas.
Balança-se na rede mansamente. Na sua frente, até onde seus olhos alcançam, estendem-se, subindo e baixando os morros, as roças de cacau1, carregadas de frutos. No terreiro ciscam as galinhas e os perus. Os negros trabalham nas barcaças, revolvendo o cacau mole. O sol irrompe sobre a paisagem, saindo de entre as nuvens. Ester se recorda do dia do casamento. No dia que casara, nesse mesmo dia, havia vindo para a fazenda. Ester estremece na rede ao lembrar. Fora a sua maior sensação de horror. Se lembrara que antes, ao ser anunciado o noivado, a cidade se encheu de cochichos, de disses-não-disses. Uma senhora que nunca a visitara, apareceu um dia para lhe contar histórias. Antes haviam vindo velhas beatas, conhecidas da igreja, que lhe diziam das lendas sobre o coronel. Mas aquela mulher trouxe uma notícia que era mais concreta e mais terrível. Dissera que Horácio matara a primeira mulher a rebenque porque a encontrara com outro na cama. Isso no tempo em que ainda era tropeiro2 e atravessava as picadas recém-abertas no mistério da mata. Só muito tempo depois, quando já ele enriquecera, essa história começara a circular nas ruas de Ilhéus, nas estradas da terra do cacau. Talvez porque toda a cidade falasse dele em voz baixa, Ester, com certo orgulho e muito despeito, levou o noivado adiante, um noivado feito de silêncios longos nos raros domingos em que ele baixava à cidade e ia jantar em sua casa. Um noivado sem beijos, sem carícias sutis, sem palavras de romance, tão diferente do noivado que Ester imaginara um dia, na quietude do colégio de freiras.
Quisera um casamento simples, se bem Horácio tentasse fazer as coisas à grande : banquete e baile, foguetes e missa cantada. Mas fora tudo muito íntimo, realizados em casa os dois casamentos, o do padre e o do juiz. O padre fez um sermão, o juiz desejou felicidades com sua cara cansada de bêbado, o dr. Rui botou discurso bonito. Casaram pela manhã e, à noitinha, no lombo dos burros, através dos atoleiros, chegavam à casa-grande da fazenda. Os trabalhadores que se haviam reunido no terreiro em frente dispararam suas repetições quando os burros se aproximaram. Estavam desejando boas-vindas ao casal, porém Ester sentiu seu coração apertar com o estampido dos tiros na noite. Horácio mandara distribuir cachaça pelo pessoal mas, minutos depois, já a deixava sozinha e saía para se informar do estado das roças, para saber como se haviam perdido as arrobas de cacau, que estavam secando na estufa, devido às chuvas. Só quando ele voltou as negras acenderam as lâmpadas de querosene. Ester se assustou com o grito das rãs. Horácio quase não falava, esperava impaciente que o tempo passasse. Quando outra rã gritou no charco, ela perguntou:
– Que é?
A voz dele veio indiferente:
– Uma rã na boca de uma cobra…
Jorge Amado, Terra do Sem Fim. 1942
1 As roças de cacau: as plantações de cacau
2 Tropeiro: homem que conduz bestas de carga